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Caixa restituirá em dobro juros cobrados após prazo de entrega da obra

Colegiado considerou abusiva cláusula contratual a qual estipula que a empresa é responsável por restituir as parcelas referentes ao “juros da obra” apenas após seis meses após a data de término de obra

Caixa Econômica deve restituir, em dobro, “juros de obra” cobrados após a data de entrega de uma construção. Assim entendeu a 1ª vara Federal de Juizado Especial Cível e Criminal de Juiz de Fora/MG ao concluir ser ilegítima a referida cobrança, uma vez que os encargos eram devidos apenas até a data final do prazo de construção pactuado.

Um homem firmou contrato de compra e venda de um terreno e mútuo para a construção de uma casa. Narra, contudo, que houve cobrança indevida de “juros de obra” em período posterior à data prevista para o término da construção.

Na origem, o juízo de 1º grau extinguiu o processo sem resolução do mérito. Inconformado, o homem recorreu da decisão.

Ao julgar o caso, o juiz Federal Guilherme Fabiano Julien de Rezende, relator, destacou que jurisprudência do STJ é consolidada no sentido de que as normas do CDC são aplicáveis às relações de consumo existentes entre a instituição bancária e seus clientes.

O magistrado verificou, no caso, no que tange à cobrança dos “juros de obra” depois de findo o prazo de construção estabelecido no contrato, tem-se que a empresa é responsável por restituir as parcelas cobradas apenas após seis meses após a data de término de obra. Contudo, em sua visão, tal cláusula é abusiva “porque repassam para os devedores a responsabilidade pelo atraso injustificado da obra”.

“Na situação em tela, o contrato firmado entre as partes prevê a conclusão da obra em 24/06/2021, impondo-se o reconhecimento de que os juros de obra eram devidos até a data final do prazo de construção pactuado. Logo, a cobrança após essa data é ilegítima em fase de ter ultrapassado a data prevista para o término da construção, quando se iniciaria a fase de amortização”, afirmou.

Nesse sentido, determinou a restituição em dobro dos juros da mora cobrados a partir do prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves. O colegiado acompanhou o entendimento.

O escritório Pacheco & Reis Advogados atua na causa.

Processo: 1002462-19.2022.4.01.3801

Fonte: Migalhas
https://www.migalhas.com.br/quentes/380811/caixa-restituira-em-dobro-juros-cobrados-apos-prazo-de-entrega-da-obra

Em contrato de compra e venda de imóvel, é lícito às partes estipular correção monetária das parcelas pela Selic

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que considerou abusiva a previsão de correção pela taxa Selic em contrato de compra e venda de imóvel. Segundo os ministros, se essa taxa estiver prevista para a correção das parcelas, nada impede que seja convencionada a incidência de juros de mora.

De acordo com os autos, foi ajuizada ação revisional de contrato de compra e venda de imóvel com pedido de indenização, sob o argumento de que algumas cláusulas contratuais seriam abusivas – entre elas, a que previa a Selic como índice de correção.

A sentença julgou abusiva a aplicação da taxa e determinou a sua substituição pelo IGP-M, além da restituição dos valores. Também foram reduzidos os juros de mora e a cláusula penal. O TJMS manteve a decisão.

No recurso especial, a empresa vendedora sustentou que não há ilegalidade na correção pela Selic, a qual visa recompor o valor da moeda e remunerar a concessão do parcelamento.

Juros remuneratórios e moratórios podem incidir em um mesmo contrato

A relatora, ministra Nancy Andrighi explicou que, enquanto a correção monetária serve para recompor o poder da moeda diante da inflação, os juros podem ter tanto a finalidade de recompensar o credor (remuneratórios ou compensatórios) quanto a de indenizar pelo atraso no pagamento da dívida (moratórios).

A ministra observou que, por terem finalidades distintas, os juros remuneratórios e os moratórios podem incidir em um mesmo contrato. Ela também destacou o entendimento da Segunda Seção do STJ no EREsp 670.117, de que é legal, na venda de imóvel na planta, a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves.

De acordo com Nancy Andrighi, a taxa Selic, por abranger juros e correção monetária, não pode ser cumulada com juros remuneratórios, mas isso não impede a cobrança de juros de mora, no caso de atraso no pagamento.

Para a magistrada, só se poderia falar de cláusula abusiva se houvesse incidência simultânea de correção monetária das parcelas pela taxa Selic e de juros remuneratórios, “pois se estaria diante de verdadeiro bis in idem”.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2011360.

Fonte: STJ
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/06022023-Em-contrato-de-compra-e-venda-de-imovel–e-licito-as-partes-estipular-correcao-monetaria-das-parcelas-pela-Selic.aspx

Vício de construção: Prazo prescricional para indenização é de 10 anos

TJ/GO cassou sentença que havia extinguido processo movido por um condomínio contra uma construtora

Tratando-se de pedido de indenização por danos materiais em razão de vício de construção, o prazo prescricional é de 10 anos a contar da ciência inequívoca da inadimplência da parte adversa, nos termos do art. 205 do Código Civil e precedente do STJ. Assim entendeu a 3ª câmara Cível do TJ/GO ao cassar sentença que havia extinguido processo movido por um condomínio contra uma construtora. O relator do caso foi o desembargador Itamar de Lima.

No processo em questão, o imóvel foi recebido em agosto de 2012. O condomínio alegou que desde o início da construção a obra vem apresentando problemas de infiltrações nas esquadrias, bem como falha de projeto das instalações elétricas das lojas e incompatibilidade do projeto de combate a incêndio.

Em 2013, foi emitido um relatório de inspeção predial, assinado pelos responsáveis técnicos da própria construtora ré, constatando graves problemas construtivos.

Desse modo, o condomínio ajuizou, em setembro de 2020, a ação requerendo a condenação da construtora no saneamento de todas as falhas técnicas, anomalias, má qualidade, defeitos e imperfeições durante a execução da obra, bem como no pagamento dos prejuízos no valor de R$ 147.678,82, e prejuízos ilíquidos cuja soma das médias perfaz o montante de R$ 523.822,03.

Em 1º grau, o juízo extinguiu o processo por entender que o prazo prescricional a ser aplicado no caso é de cinco anos, conforme art. 27 do CDC.

Desta decisão o condomínio interpôs recurso ao TJ/GO, fundamentando seus argumentos no enunciado da súmula 194 do STJ e art. 205 do Código Civil.

O pleito foi acolhido pelo colegiado. O relator destacou que, no que tange à contagem do prazo prescricional, tem início no momento em que o consumidor toma conhecimento do dano.

“Ocorre que na hipótese, apesar de não restar claro a data em que a autora teve conhecimento dos danos, tomando por base a data que o imóvel foi recebido, em 21/08/2012, e a data do ajuizamento da demanda, 17/09/2020, tem-se que o prazo prescricional decenal, não operou-se.”

Assim sendo, os desembargadores cassaram a sentença, a fim de que seja proferida nova decisão de mérito.

O advogado José Andrade, do escritório Merola & Andrade Advogados, atua no caso.

Processo: 5460568-46.2020.8.09.0051.

Fonte: Migalhas
https://www.migalhas.com.br/quentes/380574/vicio-de-construcao-prazo-prescricional-para-indenizacao-e-de-10-anos

Proprietário de imóveis danificados por hidrelétrica será indenizado

Foi constatada a falta de proteção de erosão às encostas

A 3ª câmara de Direito Público do TJ/SP manteve decisão que condenou a CESP – Companhia Energética de São Paulo – ao pagamento de indenização por danos causados a propriedades de um particular pelas atividades da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera, no oeste paulista.

Além da reparação pela perda de 70% da área de terra corroída, com valor a ser apurado em cumprimento de sentença, a empresa deverá executar obras de contenção dos processos erosivos, sob pena de multa.

A turma julgadora ratificou a responsabilização do ente público, em que pese a ausência de medidas para minimizar os danos por parte do requerente.

Segundo os autos, os danos graduais causados aos imóveis do requerente, localizados às margens do rio em que a usina está localizada, são decorrentes de erosão, degradação do talude, escorregamentos superficiais e outros incidentes ocasionados pela falta de proteção das encostas do reservatório da hidrelétrica ao longo dos anos.

A turma julgadora ratificou a responsabilização do ente público, em que pese a ausência de medidas para minimizar os danos por parte do requerente.

“Ao que se vê, o processo de erosão que se constata nos imóveis do apelado decorre da execução falha das obras realizadas pela apelante quando houve o aterro de depressão e contenção das margens da represa. Verificou-se o uso de materiais inadequados que permitiram a movimentação das terras que, por sua vez, causaram a alteração dos caminhos das águas pluviais, contribuindo para a reativação do processo.”

Processo: 3001756-54.2013.8.26.0481.

Informações: TJ/SP.

Fonte: Migalhas
https://www.migalhas.com.br/quentes/380573/proprietario-de-imoveis-danificados-por-hidreletrica-sera-indenizado

Presidente do STJ suspende imissão na posse e mantém imóvel com idosas que discutem propriedade na Justiça

Duas idosas de Mato Grosso Sul poderão permanecer no imóvel em que residem há mais de 40 anos, objeto de disputa com a Caixa Econômica Federal (CEF), até que a questão seja decidida definitivamente. A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, constatou a possibilidade de dano irreparável caso a ordem de imissão na posse fosse cumprida, bem como a necessidade de se resguardar o resultado útil de futura manifestação do STJ.

O imóvel teve a propriedade consolidada em procedimento extrajudicial realizado pela CEF, e acabou arrematado junto à instituição financeira por uma empresa. A compradora ajuizou ação de imissão na posse, a qual foi julgada procedente. Paralelamente, na Justiça Federal sul-mato-grossense, as idosas questionaram a execução extrajudicial, buscando anular todo o procedimento.

No julgamento da apelação da compradora, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) anulou a sentença e determinou o sobrestamento até que fosse decidida questão preliminar – justamente, o julgamento da ação anulatória do procedimento de execução extrajudicial promovida pelas ex-proprietárias e possuidoras do imóvel (AREsp 2.270.518).

Não satisfeita com o resultado, a compradora do imóvel recorreu e, ao admitir o recurso especial, a vice-presidência do TJMS deu efeito suspensivo ativo para determinar a imediata desocupação do imóvel. Contra essa decisão, a defesa das idosas ingressou no STJ com pedido de tutela provisória, pretendendo suspender a execução da ordem de imissão na posse até o julgamento definitivo da questão.

Comprador sabia da existência de anterior ação anulatória contra o agente financeiro

Ao analisar o caso, a presidente do STJ observou que estão presentes os dois requisitos para a concessão da tutela – tanto o risco da demora quanto a plausibilidade do direito alegado.

Para a ministra, o chamado periculum in mora existe na medida em que, uma vez desalojadas da única residência que possuem, as idosas ficariam sem ter para onde ir, passando a depender da solidariedade de familiares e terceiros para se abrigarem.

Já o fumus boni juris foi constatado pela magistrada na existência de ação anulatória do procedimento que resultou na perda do imóvel para a CEF. Ela destacou, ainda, a informação constante na escritura pública de compra e venda e na matrícula imobiliária noticiando, exatamente, essa ação, na qual se discute a validade do título que ensejou a consolidação da propriedade do bem em favor da instituição financeira.

“Em tal cenário, ciente o comprador da possibilidade de o negócio vir a ser anulado, inclusive por força da existência de cláusula expressa no contrato firmado com o agente financeiro (…), neste perfunctório exame, não parece ser o caso de afastar a prejudicialidade reconhecida”, concluiu a ministra presidente.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): TP 4302.

Fonte: STJ
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/05012023-Presidente-do-STJ-suspende-imissao-na-posse-e-mantem-imovel-com-idosas-que-discutem-propriedade-na-Justica.aspx

Após privatização, companhia de energia terá de pagar taxa de ocupação de imóvel à União

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que negou pedido da Companhia Energética de Pernambuco (atual Neoenergia Pernambuco) para que a União se abstivesse de cobrar da empresa taxa de ocupação de terreno de marinha onde está instalada uma subestação de energia elétrica.

Para o colegiado, ainda que a empresa seja concessionária de serviço público federal, ela passou a ser integralmente privada e a executar as atividades com finalidades lucrativas, razão pela qual, nos termos do artigo 18, parágrafo 5º, da Lei 9.636/1998, a cessão de uso do imóvel deve ser onerosa.

De acordo com o TRF5, com a privatização, a Neoenergia perdeu a sua natureza estatal e, como não detinha mais recursos públicos em seu capital social, não havia mais justificativa para a utilização gratuita do terreno de marinha, localizado em Recife.

No recurso especial, a Neoenergia alegou que, além de ser concessionária de serviço público federal, o imóvel era utilizado estritamente para as finalidades da própria concessão do serviço de fornecimento de energia elétrica, o que garantiria a ela o direito da cessão gratuita.

Cessão a empreendimento com finalidade lucrativa deve ser onerosa

Relatora do recurso, a ministra Assusete Magalhães explicou que, à época do acórdão do TRF5, o artigo 18 da Lei 9.636/1998 previa que, a critério do Poder Executivo, poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, imóveis da União a pessoas físicas ou jurídicas, no caso de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional.

Já segundo o parágrafo 5º do mesmo artigo, apontou a ministra, a cessão, quando destinada exclusivamente à execução de empreendimento de finalidade lucrativa, será onerosa.

“Desta forma, ainda que concessionária de serviço público federal, a parte recorrente é pessoa jurídica que – como esclareceu o acórdão recorrido – ‘passou a ser integralmente privada e executa atividade com fim lucrativo’, motivo pelo qual, nos termos do artigo 18, parágrafo 5º, da Lei 9.636/98, a cessão de uso do imóvel em questão deve ser onerosa”, concluiu a ministra.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1368128.

Fonte: STJ
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/20012023-Apos-privatizacao–companhia-de-energia-tera-de-pagar-taxa-de-ocupacao-de-imovel-a-Uniao.aspx#:~:text=%E2%80%8BA%20Segunda%20Turma%20do,marinha%20onde%20est%C3%A1%20instalada%20uma.aspx

A efetividade da cláusula de renegociação e o Direito Imobiliário

O tempo é ingrediente fundamental para o cumprimento ou descumprimento dos contratos, independentemente da sua natureza. Por ser uma variável totalmente imponderável, há muito instiga o Direito (e seus operadores) a estudá-lo.

Sendo assim, o contrato configura-se como um ato entre as partes de apreensão e de comprometimento mútuo futuro (1). Consequentemente, a promessa de um cumprimento de determinada obrigação futura, por certo, estará diretamente relacionada e vinculada a acontecimentos futuros. Tais incertezas geram apreensões entre as partes.

A partir dessa premissa, fica a pergunta: é possível estipular um contrato que preveja todas as circunstâncias possíveis e futuras? Para a chamada Incomplete Contract Theory (Teoria Econômica do Contrato Incompleto), não. Giuseppe Bellantuono, por sua vez, dispõe que “nenhum contrato estabelece uma disciplina específica para todos os eventos que poderiam interferir na execução das obrigações”. Consequentemente, tentar especificar todas as possíveis contingências futuras seria uma atividade custosa e, mesmo assim, sujeita a condições de incerteza (2). Neste ponto, passa a ser importante a noção do que chamamos de bargain costs (custos de negociação). Muitas vezes, o detalhamento exacerbado das previsões contratuais subsidia os chamados comportamentos oportunistas, que acabam por utilizar dessa justificativa para o rompimento de relações que, em determinado momento, não lhe sejam mais vantajosas. Sendo assim, liberando as partes da custosa e desestimulante tarefa de buscar prever as incontáveis hipóteses de ocorrência de incidentes possíveis em um contrato, pode-se dedicar mais recursos à definição do objeto do contrato, qual seja, o preço e a forma de pagamento (3).

No Código Civil, os artigos 317 (4), 478 (5) e 479 (6) colocam o juiz como figura central capaz de solucionar toda e qualquer situação que pudesse alterar as bases originais do contrato, desde que verificados fatos que causem onerosidade excessiva a uma das partes. Dito de outro modo, o legislador permaneceu silente quanto à opção das partes já, previamente em cláusula contratual, estabelecerem eventual remédio jurídico para essa situação.

Pois bem.

Na presente reflexão, o intuito é debater, de forma suscinta, alguns contratos imobiliários de longa duração, como os chamados contratos de parceria imobiliária, built to suit, contratos de locação, promessas de compra e venda e permuta. Não é intuito discorrer cada um dos referidos contratos, mas sim de que forma o tempo pode afetá-los e se é possível atenuar os efeitos das incertezas do tempo nos respectivos instrumentos contratuais.

É possível dizer, então, que o momento negocial do contrato (pré-contratual) é o pertinente para tais preocupações. Explica-se. Tal período de aproximação das partes e da berganha das posições contratuais é o que criará o espaço negocial para a elaboração das condições do contrato. Via de regra, nesse momento, existe um elevado otimismo entre as partes. Tal ambiente promissor deve ser utilizado, justamente, para as tratativas que visem proteger o contrato às eventuais futuras adversidades (7). Esse é o ponto.

Nesse momento negocial, entende-se adequada a inserção no contrato da cláusula de renegociação (hardship). Pelo princípio da autonomia privada é permitido aos figurantes no contrato ampla possibilidade de modelação de soluções visando atacar ou minimizar o eventual e futuro desequilíbrio contratual. Quanto maior o espaço para que seja exercida a autonomia privada, maior a liberdade de criatividade dos advogados na busca por soluções contratuais. Consequentemente, maior o espaço para atenuar situações supervenientes (8).

Dessa forma, as partes farão constar no contrato uma cláusula de renegociação, com intuito de revisar ou acomodar o contrato às novas circunstâncias, definindo, já no próprio texto contratual, um “projeto de adaptação” ou dispondo sobre um período de nova negociação entre as partes, caso determinada situação ocorra. Dito de outro modo, as partes plasmam, no contrato, uma obrigação de negociar, uma readaptação, se verificados certos acontecimentos capazes de atingir substancialmente o contrato (cláusula de hardship) (9).

Para Alexandre Junqueira Gomide, a cláusula de renegociação seria uma modalidade de as partes precaverem dos riscos decorrentes do decurso do tempo. Para o autor, as partes poderão, objetivamente, declarar em quais circunstâncias são obrigadas a renegociar, como também poderão firmar em caráter mais genérico, ou seja, determinando que as partes estão sujeitas a renegociar quando uma delas alegar a presença de um fato que acabou onerando excessivamente o cumprimento do que fora pactuado (10).

Nas palavras de Judith Martins-Costa:

“Por via do poder modelador da autonomia privada atuam-se, pois, cláusulas cuja finalidade é, justamente, prover, contínua e dinamicamente, a acomodação do contrato às circunstâncias supervenientes ao momento de sua formação, sendo a configuração dessas cláusulas marcada pela atipicidade, o que importa numa grande variedade de formas e eficácias” (11).

Veja-se alguns exemplos práticos. Em contratos de permuta financeira, por exemplo, é comum que a incorporadora estabeleça com o proprietário do terreno (“terreneiro”) um percentual de VGV (Valor Geral de Vendas) sobre a venda futura das unidades. Essa modalidade contratual pode perdurar por anos, tendo em vista que a obra do empreendimento possui um tempo considerável, bem como a venda das unidades (especialmente a prazo) também pode perdurar por anos. Pois bem, imagine que, no momento da estruturação do contrato de permuta financeira a incorporadora tenha previsto um valor X pelo metro cúbico de concreto. Com base nessa previsão, a incorporadora oferece ao “terreneiro” 30% (trinta por cento) do VGV da venda das unidades. Porém, um ano após a assinatura do contrato, o valor concreto triplica, alterando substancialmente o custo da obra. Dessa forma, para a manutenção de um equilíbrio mínimo entra as prestações será necessário que o VGV do negócio entabulado seja, também, modificado.

Caso o contrato não possua uma cláusula de renegociação, essa situação pode gerar graves prejuízos na relação negocial, podendo resultar em eventual demanda judicial.

Veja-se outro caso hipotético. João firma contrato de promessa de compra e venda com Maria com intuito de adquirir 500 (quinhentos) hectares na cidade de Passo Fundo/RS. Tal área será destinada por João para o plantio de soja. Dessa forma, como precificação do hectare, as partes estipulam que cada hectare custará X sacos de soja. João fica obrigado a pagar a quantia total em 24 meses. Pois bem. Passados 10 (dez) meses, em razão de fatos supervenientes e extraordinários, o valor do hectare duplica, prejudicando o negócio jurídico firmado. As partes poderiam, por exemplo, estabelecer um teto contratual no preço da soja. Por exemplo, caso o valor da soja aumente, o preço máximo ficará pactuado em um teto de 20% sobre o valor originariamente pactuado.

A vantagem desse dispositivo contratual de renegociação é clara. Ninguém melhor do que as partes para modificar o contrato firmado. A partir dessa premissa, a transferência de competência para apreciação do contrato para o Poder Judiciário aumenta significativamente o grau de incerteza e insegurança jurídico, podendo fazer com que o resultado final seja totalmente diverso do pretendido inicialmente (12).

Diante disso, pode-se verificar que a apreciação jurisdicional no momento de revisar os contratos, podem gerar externalidades, especialmente negativas, como apreciações diferentes a casos análogos.

Assim, “se, em um determinado tribunal, uma das câmaras julgadoras assumir um posicionamento sobre o tema X e outra posicionar-se em sentido contrário a respeito do mesmo tema, todos os interessados em causas semelhantes ver-se-ão incentivados a ir a juízo – tanto os que esperam um julgamento procedente quanto os que esperam um julgamento improcedente. A circunstância de o caso vir a ser julgado por uma ou outra câmara torna-se uma questão de sorte. Em havendo recurso, o sucesso na causa dependerá do sorteio (sorte!) da câmara que será designada para julgá-la” (13).

Portanto, a partir das premissas acima apresentadas, pode-se afirmar que a implementação das cláusulas de renegociação nos contratos de longa duração podem trazer uma maior segurança jurídica às partes, bem como uma redução substancial nos custos de transação, tendo em vista a impossibilidade de previsão de toda e qualquer situação superveniente que possa atingir o negócio jurídica entabulado.

Por Rafael de Freitas Valle Dresch e Demétrio Beck da Silva Giannakos

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1) MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 647.
2) CAMINHA, Uinie; LIMA, Juliana Cardos. Contrato Incompleto: uma perspectiva entre Direito e Economia para contratos de longo tempo. Revista Direito GV. São Paulo. 10(1), p. 155-200. Jan/Jun de 2014.
3) TRINDADE, Manoel Gustavo Neubarth. Análise Econômica do Direito dos Contratos: Uma nova abordagem do direito contratual como redutor das falhas de mercado. Londrina: Troth, 2021, p. 180.
4) Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
5) Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
6) Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
7) FORGINIO, Paula. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 76.
8) MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 651.
9) MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 652.
10) GOMIDE, Alexandre Junqueira. Risco contratual e incorporação imobiliária. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 205-206.
11) MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 652-653.
12) GIANNAKOS, Demétrio Beck da Silva; ENGELMANN, Wilson. A Inteligência Artificial nos Contratos: Uma hipótese possível? ULP LAW REVIEW. Vol. 15, n. 01, p. 49-67.
13) PORTO, Antônio Maristello; GAROUPA, Nuno. Curso de análise econômica do direito. São Paulo: Atlas, 2020, p. 317.

Fonte: Migalhas
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-edilicias/379841/a-efetividade-da-clausula-de-renegociacao-e-o-direito-imobiliario

Turma nega direito de laje a filho que construiu em lote da mãe

Os Desembargadores da 8ª Turma Cível do TJDFT negaram o recurso do réu e mantiveram a decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível de Ceilândia, que reintegrou a autora na posse de casa que seu filho construiu na parte da frente de seu lote.

Segundo a autora, seu filho morava com ela na única residência que havia no lote, até que permitiu que ele construísse uma pequena edificação na frente do imóvel. Contou que, devido ao atual comportamento agressivo de seu filho contra ela e os irmãos pediu para que o réu deixasse a casa, mas ele se recusou a sair. Diante da negativa, teve que acionar a Justiça para requerer a reintegração.

O magistrado da 1a instância acatou o pedido de urgência (liminar) feito pela autora e determinou que a mesma fosse reinserida na posse do questionado imóvel.

Inconformado, o réu interpôs recurso. Alegou ter direito real de laje, pois é dono de uma unidade imobiliária independente, que fica localizada na laje da construção-base, superfície que lhe foi cedida por sua mãe. Contudo, os Desembargadores entenderam que a reintegração da autora deveria ser mantida e explicaram que “a construção de imóvel sobre o solo não confere ao agravante a qualidade de lajeário, dada a inexistência de unidade imobiliária autônoma sobreposta. ”

Recurso: 0723870-95.2022.8.07.0000

Processo: 0716914-54.2022.8.07.0003

Por BEA

Fonte: TJDFT – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2022/novembro-1/turma-nega-direito-de-laje-a-filho-que-construiu-em-lote-da-mae

TJSP nega a locatários troca de índice de reajuste de aluguel

Levantamento mostra manutenção da previsão contratual em 62% das decisões proferidas

A maioria dos locatários não conseguiu na Justiça, em meio à pandemia da covid-19, trocar o índice de reajuste dos contratos de locação — IGP-M ou IGP-DI pelo IPCA, que estava muito menor entre os anos de 2020 e 2021. Levantamento realizado pelo Penna Marinho (PMA) Advogados mostra que o pedido foi negado em 62% das 63 decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o maior do país, entre 2020 e outubro deste ano.

Nessas decisões, que incluem imóveis residenciais e comerciais, os desembargadores aplicaram a Lei da Liberdade Econômica (nº 13.874, de 2019). Pela norma, “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.

Na pandemia, com o impacto causado com as decretações de lockdown e isolamento social, a saída para os locatários, principalmente de imóveis comerciais, foi negociar contratos. Nesse período, a diferença entre os índices foi significativa. Em julho de 2021, o IGP-M acumulado de 12 meses chegou a 33,83%, enquanto o IPCA variou 8,99%.

De acordo com o levantamento, o TJSP, em 27% dos julgamentos, decidiu pela alteração temporária do índice de reajuste — IGP-M ou IGP-DI pelo IPCA até o próximo ano do contrato. E em apenas 11%, os desembargadores definiram pela troca definitiva para o IPCA.

Coordenador da pesquisa, o advogado Gustavo Penna Marinho, do PMA Advogados, afirma que a maioria das decisões demonstra que os desembargadores optaram pela preservação do contrato. “Se as partes, que têm autonomia para negociar, entenderam naquele momento que era o melhor índice, é o que deve prevalecer”, diz. Para ele, esses julgamentos trazem segurança jurídica e revelam a necessidade de se ter mais atenção em cláusulas e condições contratuais.

O advogado destaca que essa discussão sobre troca de índice de reajuste não pode ser confundida com os abatimentos nos valores dos aluguéis na época da pandemia. “Boa parte dos locadores de imóveis deram descontos, em negociações, no período de fechamento do comércio.”

Na maioria das decisões favoráveis aos locatários, acrescenta Marinho, foi determinada a troca temporária com base no entendimento de que os índices deveriam se aproximar a longo prazo. Foi o que ocorreu em outubro. O IGP-M acumulou alta de 6,52% em 12 meses. O IPCA, 6,47% no mesmo período. No mesmo mês do ano passado, as variações registradas foram de 21,73% e 10,25%, respectivamente.

A diferença entre eles está na forma de cálculo. Enquanto o IGP-M calcula a variação de preço em todas as etapas de um produto — da fabricação à venda —, o IPCA leva em consideração apenas os valores finais.

Nos casos em que houve a troca definitiva, os desembargadores entenderam que havia um desequilíbrio de forças e que aconteceu um fato imprevisível, que justifica a intervenção do Judiciário. Para Marinho ” o tempo mostrou que essa interpretação estava equivocada porque os índices já começaram a se igualar. ”

Segundo o advogado José Nantala Bádue Freire, do Mannheimer Perez & Lyra, o levantamento confirma o que já esperava: a manutenção dos contratos. “Não me surpreende, mas acredito que o Judiciário deveria ter mais cuidado para tratar caso a caso”, diz ele, acrescentando que essa discussão sobre troca de índices de reajuste ocorreu também em casos de pensão alimentícia e contratos de financiamento.

Para Freire, com o IGP-M muito superior ao IPCA em julho de 2021, o TJSP poderia ter sido um pouco mais favorável à troca temporária do índice. Ele afirma que os artigos 393, 478 e 479 do Código Civil permitem a revisão de contratos em casos excepcionais.

“Nesses casos, há uma imprevisibilidade e as pessoas não se sujeitaram a esse risco. Se soubessem, certamente escolheriam outro índice. Estávamos diante de uma pandemia global, de ordem mundial, uma situação excepcional, que na minha opinião, exigiria uma intervenção um pouco maior”, afirma. Para Freire, o IGP-M estava descolado da realidade e deu um retorno melhor do que qualquer investimento de alto risco para os locadores.

Nos casos em que atuou, diz, preferiu buscar a negociação para redução de aluguel e alteração dos índices. “Na maioria, houve renegociação. Às vezes, consegui renegociar para que se fizesse uma média aritmética entre IGP-M e IPCA. Em outros casos, o locador aceitou o IPCA sem resistência”, afirma. De acordo com ele, foram negociados cerca de 500 contratos e foram ajuizadas apenas 20 ações. “Os próprios locadores estavam sensíveis à situação. ”

Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP, ressalta que o volume de ações sobre o tema, frente ao número de contratos de aluguéis existentes, foi muito baixo. Em geral, acrescenta, as pessoas preferiram negociar diretamente as alterações contratuais.

“Nós observamos, na prática, proprietários trocando o IGP-M pelo IPCA espontaneamente, proprietários mantendo IGP-M no contrato, mas reajustando aluguel com base no IPCA. A negociação entre as partes funcionou. Houve bom senso”, diz.

Sobre a prevalência de decisões judiciais a favor da manutenção do contrato, Sartori afirma que esse posicionamento é muito importante. “Isso traz segurança jurídica e atrai novos investimentos. Favorece o setor a médio prazo. ”

Por Adriana Aguiar — São Paulo

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/12/24/tjsp-nega-a-locatarios-troca-de-indice-de-reajuste-de-aluguel.ghtml

TJ/SP valida leilão por preço equivalente a 10% do valor de avaliação

O juízo de 1º grau havia negado a homologação da compra, “sob o fundamento de que o montante arrecadado é irrisório e não atende aos interesses do processo”

A 1ª câmara reservada de Direito Empresarial do TJ/SP homologou venda de imóvel, arrematado em leilão, por preço equivalente a 10% do valor de avaliação. Segundo o colegiado, no regime falimentar a noção do preço vil não se aplica, de modo que o comprador interessado pode pagar qualquer preço pelo bem.

Consta nos autos que, no âmbito de um processo de falência, foi determinada a alienação de um imóvel. O bem foi levado a leilão por duas vezes, todavia, não tiveram interessados em adquiri-lo. Na terceira tentativa, foi vendido por R$865 mil, valor equivalente a 10% do valor da avaliação.

Na origem, o juízo de 1º grau não homologou a compra, “sob o fundamento de que o montante arrecadado é irrisório e não atende aos interesses do processo”. Inconformado, o adquirente do imóvel no leilão interpôs recurso.

Regime falimentar

Ao analisar o caso, desembargador J. B. Franco de Godoi, relator, explicou que “no regime falimentar, a noção do preço vil do CPC não se aplica, de modo que o comprador interessado pode pagar qualquer preço pelo bem, em homenagem à eficiência da realização o ativo”.

No mais, asseverou que o controle efetuado pelo magistrado de 1º grau não se pautou pela estrita legalidade, mas sim por um critério de conveniência e de uma possível melhor vantagem econômica para massa, o que não pode prevalecer.

Por fim, destacou que a arrematação não se reveste de qualquer ilegalidade, “sendo certo que o exercício realizado pelos impugnantes da arrematação e pelo magistrado tem natureza estritamente econômica, o que não pode ser chancelado”. Nesse sentido, deu provimento ao recurso para homologar a arrematação realizada em leilão.

Os advogados Paulo Vitor Alves Mariano e Caio Luís Barbosa Gonçalves, sócios do escritório Mazzotini Advogados Associados – MAA, atuaram na causa.

Processo: 2134903-69.2022.8.26.0000

Fonte: Migalhas
https://www.migalhas.com.br/quentes/376168/tj-sp-valida-leilao-por-preco-equivalente-a-10-do-valor-de-avaliacao